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Em tempos difíceis, direito à aprendizagem precisa ser reafirmado e assegurado


É bem verdade que hoje já não encontramos ninguém a contestar o direito que todo brasileiro tem de aprender, e esta concordância pode ser entendida como um avanço democrático de nossa sociedade. Cuidemos, no entanto, de ir além desse acordo genérico, de modo a perceber o que essa ideia implica no cotidiano dos brasileiros. Isto é, direito de aprender o quê e para quê?

Afinal, alguém poderia dizer que esse direito, por si só, não garante muita coisa. Durante a escravidão, por exemplo, era dado aos escravizados o direito de aprender a trabalhar e a se comportar como escravo, assim como, no início da era industrial, o trabalho braçal e exaustivo era visto como a melhor e a única escola das classes baixas. Interpretações do direito ao aprendizado que atualmente nos soam estreitas e ridículas, mas que, no entanto, foram comuns em nossa história.

A sociedade brasileira evoluiu de tal forma que somos, hoje, capazes de formular esse direito vinculando-o à própria raiz da ideia de direitos, ou seja, à liberdade de cada um e de todos. O direito à aprendizagem, portanto, não está somente ancorado ao mercado de trabalho, tampouco existe para sustentar o domínio de indivíduos sobre outros, mas visa a garantia e a atualização da liberdade e da potência de cada um dos brasileiros. E a garantia desse direito não pode ser encarada como um privilégio restrito a épocas mais felizes, já que ele próprio está na base do crescimento econômico e da estabilidade social. Pois, é justamente nos tempos mais difíceis e nas situações mais árduas que carecemos de aprendizados novos, para que sejamos capazes de nos reinventar e superarmos as adversidades.

A pandemia de Covid-19 trouxe desafios inéditos a toda a sociedade. A educação pública não ficou de fora, dado que o isolamento social, necessário para frear o avanço do vírus, acarretou a paralisação das atividades escolares. Nas redes de ensino, o que se teve, como consequência imediata, foi uma multidão de crianças e jovens ociosos em casa, cujos pais, muitas vezes em situação de incerteza econômica que pode vir a perdurar por meses a fio, dificilmente serão capazes de suprir a ausência do professor e ocupar o seu lugar.

Em um momento de acontecimentos sem precedentes, é importante evitar lugares comuns. A gestão pública da educação não deve ligar o piloto automático e seguir somente os caminhos que se revelam mais fáceis, como propor apenas uma reposição futura das aulas. Soluções como essa, embora tentadoras, enfrentam o obstáculo da incerteza, pois não há ainda estimativa precisa sobre o retorno das atividades. Até nos melhores cenários, o resultado pode ser uma reposição realizada às pressas e em um curto espaço de tempo, o que pode fazer com que os profissionais abracem a ideia de que este é um ano letivo perdido.

O problema é que, para muitos estudantes, a perda de um único ano letivo pode significar todo um futuro perdido. Muitos especialistas já adiantam que nossa sociedade passará por transformações profundas por conta dos impactos da pandemia, e serão essas crianças e esses jovens que, em breve, estarão na linha de frente dessas mudanças, seja no mercado de trabalho, nas universidades, ou como chefes de suas famílias. Deixar o futuro deles em segundo plano seria, portanto, permitir que o país navegue pelas águas da incerteza e da instabilidade.

O ambiente da sala de aula, com a presença do professor e a companhia dos colegas de classe, é insubstituível. Contudo, é possível mitigar a sua ausência com projetos bem estruturados que explorem o ensino a distância, desde a distribuição de materiais educativos mais lúdicos até a difusão de conteúdos que exploram diretamente as habilidades do currículo. E como os estudantes possuem realidades bastante diversas entre si, com acessos desiguais a meios de comunicação, é necessário explorar diferentes canais para que ninguém fique de fora.

Alguns estados já se adiantaram nessa questão e estão utilizando os canais de TV educativos para transmitir parte do conteúdo curricular das etapas de ensino; outro ponto que vem sendo explorado é a difusão de materiais digitais, os quais o estudante, mesmo com um smartphone simples e uma conexão à internet limitada, consegue acessar, resolver atividades e repassar para a correção do professor; no caso das famílias menos favorecidas, já se observa também um esforço para distribuir materiais impressos, com os quais tanto a criança em letramento quanto o jovem dos anos finais possa interagir sem a necessidade da mediação intensa do professor.

Além de transmitirem um aprendizado que poderia estar sendo perdido, ações desse tipo contribuem para a harmonia do lar, visto que os pais, ou demais responsáveis, não estão acostumados a terem crianças e jovens dentro de cada em período integral nessa época do ano. Dessa maneira, têm parte do seu tempo liberada para se dedicarem a outras atividades importantes, como o trabalho, o estudo, o planejamento econômico e o próprio lazer.

É preciso continuar seguindo nesse caminho, ao mesmo tempo em que se persegue propostas diferentes e inovadoras. São nos momentos de crise que a instituição escolar se faz ainda mais importante. Os valores de união e solidariedade e os conceitos de inovação e criatividade, tão caros nestes dias, só serão plenamente alcançados se a escola tiver força e presença na vida das pessoas. E isso não se faz só com recursos e orçamentos, mas com ideias generosas e democráticas, bons programas de ensino e compromisso com o direito de aprender.